segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lembranças em retalhos


"Na infância.. Bastava sol lá fora e o resto se resolvia."- Fabrício Carpinejar




Tarde de verão, o calor lá fora queima. Da janela vejo as folhas das árvores dançarem ao som do vento, em um ritmo lento. Tudo tão quieto que quase consigo ouvir meu coração bater. Tum-tum-tum.
- Vó... - Queria protestar, eu poderia estar correndo atrás dos patinhos ou subindo no pé de jabuticaba. - Porque que eu tenho que dormir?
Protesto mais tímido esse! Ela me olhava com aqueles olhos de índia e me respondia com uma voz autoritária por natureza:
-Faz bem pra digestão. Vira de bruços e dormi.
-Mas eu não estou com sono. - Logo embirrava e fazia cara de choro.
-Fecha os olhos que o sono vem, menina.
E eu fechava, apertava-os, esforçava pra me concentrar. Mas que diabos de sábia que não fica quieto! Como vou conseguir dormir?  Rolava de um lado para o outro na cama. A colcha era de retalhos coloridos, estampados, de veludo, de jeans velho. Quantos retalhos têm aqui? Um, dois, três... Será que mamãe vai demorar? Seis, sete... Oito retalhos... Talvez cem ou infinitos!
O fogão a lenha deve estar acesso porque já sinto cheiro da gula. Doce de figo, doce de mamão, doce de laranja, doce-de-leite. Vó dos doces e dos retalhos. Até consigo imaginar ela com os cabelos negros e escorridos presos em um coque alto, as mãos fortes mexendo nas panelas.
E se eu dormir e não acordar mais? Não quero morrer! Não vou dormir. Fiquei olhando para as paredes de madeira que eram coloridas também. Engraçado. Gosto muito é do verde daquela árvore. Tão calma e indefesa e vem aquele vento empurrar-lhe os galhos! Fechei os olhos. Primeiro ouvi minha respiração e depois o meu coração Tum-tum-tum. Sinal de que ainda estou viva, pensei em alivio. Uma moleza foi tomando conta, acho que era o sono, mas quando acordei mamãe já tinha chegado para me buscar.
Montei na garupa da bicicleta, mamãe já havia começado as pedaladas quando olhei para trás e vi vovó acenando para mim como forma de despedida. Tive a sensação de que era uma das últimas tardes com ela, com um sorriso triste acenei como resposta.  Minha intuição estava certa...


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